4 de outubro de 2010

Metal contra as nuvens



Ontem foi um dia deprimente. Nublado, frio, com eleição e pilhas de texto pendentes prá leitura. Tem combinação mais enfadonha? Lá fui eu prá zona norte rever minha família e a antiga escola na qual estudei até a oitava série... A cada eleição vem uma onda nostálgica tirar do baúl os tempos melancólicos da EMPG Comandante Gastão Moutinho.

As paredes sujas e nojentas deram lugar a uma pintura impecável. Nunca pensei que o ambiente degenerado e escuro daquela escola fosse um dia se tornar tão iluminado e agradável (na medida do possível, claro). Agora o Gastão se parece mais com um hospital público do que uma estrutura carcerária. Grande avanço, não?

Trabalhinos escolares prá tudo que é lado. Salas de aula todas coloridas, violetas nas janelas (no plano físico mesmo, nada de divagações espiriteiras, rsrs), florzinhas de papel em tudo que era canto, em comemoração à primavera. Não vi uma pichação sequer, nem nas carteiras...

Diante deste cenário, que só vi melhorar a cada ano de eleição, não tinha como não fazer comparações com a minha época de estudante... Me lembro que tinha nojo de tudo que era canto... Acho que o nível de concentração de coliformes fecais alí era similar aos níveis do saudoso Carandiru. E a gente se sentia mesmo num pavilhão, era uma coisa de doido.

Pixação tinha prá tudo que era lado. Tinham as meninas da gangue local, a NPZ (até hoje não sei o que significa a sigla). Morria de medo delas, sempre fui cagona. Também já cheguei a ver na saída marmanjos com armas na cintura.

Tinha também o tio Carlos, que tratava a gente feito carcereiro. Quem corresse no recreio ele mandava ficar de pé encostado na parede do pátio até dar a hora de ir prá sala... e antes de ir, ainda fazia os transgressores catarem todo o lixo que os alunos jogavam no chão (o chão do pátio era nojento demais... tinha sempre uma camada escura melequenta de sujeira, misturada com restos de comida que todo mundo jogava no chão. Maior porqueira.)

Daí vem também as memórias políticas suscitadas por conta da eleição. Na terceira série (precisamente 1993), aprendemos a fazer conta com a inflação. Fiquei o ano inteiro recortando anúncios de supermercado e calculando, por exemplo, quanto o quilo do arroz custaria dali um mês... As contas tinham uns seis dígitos, o cruzeiro era mesmo uma coisa medonha, ainda mais em época de inflação.

Ah, a inflação!!! palavra que ouvia pelo menos três vezes ao dia... Às sete da noite jantávamos, depois vinha o Jornal Nacional. Ficávamos na sala com meu vô, sem entender uma palavra que o Bóris Casoy pronunciava (a não ser o "isto é uma vergonha"). Ouvia o tempo todo sobre inflação, e precisamente às oito da noite íamos dormir.

Lembro também da cara de galã do Collor, e depois do impeachmant. Das fitinhas verde e amarelo nas antenas dos carros e do sentimento de apatia quando se falava em política. Da vergonha de ser brasileiro e da total desesperança no futuro...

Política era uma coisa indecifrável que eu associava a  homem velho intelectual engravatado que aspirava a poder. Ou sindicalistas barbudos. Lembro do martelo de da foice, e ficava me perguntando o que era aquela maluquice toda, e porque do vermelho. Tanta parafernália que ainda transita na minha memória...

Quando cheguei em casa ontem, não consegui estudar. Tava muito cansada. Me desanimei a ponto de decidir trancar duas matérias da faculdade... e às onze e tantas da noite, voltei atrás... sempre que chego a este ponto de eutanásia, vem uma música que não me deixa desligar os aparelhos... Metal contra as nuvens.

Daí pronto, tudo se juntou e fez mais sentido do que nunca. Para além das milhares de interpretações que existem por aí, tenho comigo que essa música o Renato Russo fez quando das poupanças confiscadas. Quem me disse isso uma vez acho que foi minha irmã, e não consigo acreditar que exista outra interpretação melhor. Leia a letra, e veja se você concorda comigo.

E também é uma letra que fala de esperança, esperança de quem foi roubado e não exerga nada além de um futuro sombrio. Mas que não se entrega e confia, mesmo não sabendo no quê. Juntando a depressão puquiana com as eleições, cheguei em Metal contra as nuvens.



Metal Contra as Nuvens


Legião Urbana

Composição: Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Marcelo Bonfá


I



Não sou escravo de ninguém

Ninguém, senhor do meu domínio

Sei o que devo defender

E, por valor eu tenho

E temo o que agora se desfaz.



Viajamos sete léguas

Por entre abismos e florestas

Por Deus nunca me vi tão só

É a própria fé o que destrói

Estes são dias desleais.



Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão

Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão

Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão.



Reconheço meu pesar

Quando tudo é traição,

O que venho encontrar

É a virtude em outras mãos.



Minha terra é a terra que é minha

E sempre será

Minha terra tem a lua, tem estrelas

E sempre terá.



II



Quase acreditei na sua promessa

E o que vejo é fome e destruição

Perdi a minha sela e a minha espada

Perdi o meu castelo e minha princesa.



Quase acreditei, quase acreditei



E, por honra, se existir verdade

Existem os tolos e existe o ladrão

E há quem se alimente do que é roubo

Mas vou guardar o meu tesouro

Caso você esteja mentindo.



Olha o sopro do dragão...



III



É a verdade o que assombra

O descaso que condena,

A estupidez, o que destrói



Eu vejo tudo que se foi

E o que não existe mais

Tenho os sentidos já dormentes,

O corpo quer, a alma entende.



Esta é a terra-de-ninguém

Sei que devo resistir

Eu quero a espada em minhas mãos.



Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão

Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão

Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão.



Não me entrego sem lutar

Tenho, ainda, coração

Não aprendi a me render

Que caia o inimigo então.



IV



- Tudo passa, tudo passará...



E nossa história não estará pelo avesso

Assim, sem final feliz.

Teremos coisas bonitas pra contar.



E até lá, vamos viver

Temos muito ainda por fazer

Não olhe pra trás

Apenas começamos.

O mundo começa agora

Apenas começamos





8 comentários:

  1. Ah, o Renato.... meu ídalo maior!! Sim, concordo contigo. Mas quero saber o que você acha de Daniel na Cova dos Leões! :-) Beijo!!

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  2. Mon Dieu, que escola era essa?! Acho que passar de ano era uma questão de honra, de libertação!
    BjO*

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  3. UUU Aline arraso nas memórias do carcere!! porque sua escola era mais ou menos isso.
    E o lhor dtudo é que vc ambientou a escola com os acontecimentos!! adorei foi 10 o texto super combinando com o fundo musical!

    beijos Aline

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  4. Terceira série em 93???????? Me senti um idoso...entrei na escola dez anos antes!

    Também voto na escola em que fiz até a oitava série, nos distantes anos 80, quando Legião Urbana era o Restart da vez...kk

    Nos dias de eleição eu sempre reencontro colegas de infância - e não posso deixar de reparar o quanto eu envelheci MUITO melhor do que eles... acho que é o gene gay, pois todos que são hétero estão gordos e parecem ter 30 anos a mais... as garotas, então! Melhor nem falar... cada baranga, normalmente eu nem reconheço, só depois que vai falar comigo...kkk

    Agora, sei que muita gente odeia e torce o nariz pro FHC (eu não), principalmente quem não viveu o auge do período inflacionário, mas o fim da inflação foi o ponto mais importante da nossa história pós ditadura. Num futuro distante os livros de História irão dizer...

    Beijão!

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  5. ITEM 1) NPZ - "NASCEMOS PARA ZOAR". EU SEI PORQUE ARRUMEI UMA TRETA DO TAMANHO DO UNIVERSO COM AS MINAS. A MÃE TEVE QUE ME BUSCAR NO GASTÃO, DE FARDA, TRÊS-OITÃO NA CINTURA. LEMBRA?

    ITEM 2) AH, O GASTÃO... O CINZA QUE DEU LUGAR AO AMARELO SEMPRE ME CAUSA SAUDADES. ERA SUJO, MAS ERA AUTÊNTICO. NÃO TENHO SAUDADE DA SUJEIRA, É CLARO (E SEMPRE ME ORGULHO QUANDO VOLTO LÁ EM ÉPOCA DE ELEIÇÕES E VEJO COMO AQUILO EVOLUIU). SINTO SAUDADE DO QUE EU SENTIA, E DO QUE EU VIVIA. VIVEMOS O AUGE DO ENSINO PÚBLICO. DIGO, DA QUALIDADE DELE, ALI. DEPOIS DAQUILO, FOI PROGRESSIVA QUEDA. ATÉ QUE A PREFEITURA ECONTROU CERTA ESTABILIDADE NO ENSINO. SE ENCONTROU. PELO MENOS ALI... LEMBRO DAS VEZES QUE PULEI O MURO PERTO DA QUADRA DE CIMA PRA PEGAR MORANGO, RS. E DO BANHEIRO QUE TINHA O CEBOLINHA PINTADO NA PAREDE (ACHO QUE VC NÃO ERA DESSA ÉPOCA AINDA, RS). E DAS FESTAS COM APRESENTAÇÕES NO PALCO. DO BUCHECO COM FLÚOR NA HORA DO RECREIO. DO HINO NACIONAL, COM OS PIRRALHOS ENFILEIRADOS. DO BALNEÁRIO, ZONA PROIBIDA. DA SALINHA DE EDUCAÇÃO FÍSICA CHEIA DE COISAS INTERESSANTES. DA BANDA MARCIAL, "A MELHOR DE SÃO PAULO", RS. DO OLHAR DE MEDUSA DA DONA ELZA. DOS PROFESSORES BONS. DOS EXCELENTES. DOS NEM TANTO. DA COLEGUINHA QUE MORREU. DA PROFESSORA QUE VIVEU. DAS AULAS SOBRE SEXO, COM A PROFESSORA VERA (E DE COMO ME SENTIA ESTRANHA E ORGULHOSA AO MESMO TEMPO EM ENTENDER O QUE ACONTECIA COM TODO MUNDO UM DIA). DO PROFESSOR CÁSSIM E SEU HERBÁRIO ANUAL. E DE TANTAS OUTRAS COISAS... AINDA BEM QUE NÃO VOTO NO CEPAV, RS. ACHO QUE O PROCESSO MELANCÓLICO SERIA M-U-I-T-O MAIOR.

    LEMBRO QUE SIMULAMOS UMA ELEIÇÃO, EM 94. A QUE ELEGEU FERNANDO HENRIQUE JUNTO COM SEU MÉRITO PELO MIRABÓLICO (E FUNCIONAL) PLANO REAL. FUI MESÁRIA. SACO NÃO TER URNA ELETRÔNICA NAQUELA ÉPOCA, FOI UM PÉ CONTAR OS PAPÉIZINHOS DEPOIS. MAS FOI DIVERTIDO.

    RECORDAR É VIVER... E EU ADORO FAZER ISSO.

    ITEM 3)EU TENHO A MESMA IMPRESSÃO SOBRE METAL CONTRA AS NUVENS, E MAIS DO QUE ISSO, ME LEMBRO DE TER LIDO ALGO A RESPEITO, NESSE SENTIDO. VOU PROCURAR.

    "... NÃO OLHE PRA TRÁS... APENAS COMEÇAMOS".

    E SE EU SOUBER QUE VC TRANCOU MATÉRIA, TE BATO. TE AFOGO NA PISCINA DO VÔ, RS.

    BJO.

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  6. Bem, minha escola não era tão diferente assim, apesar de eu ser mais antigo (acredito) que todos aqui, formação militar (em colunas) mão direita ao coração durante o Hino Nacional enfim uma verdadeira escola militar e acredite era do Estado, era assim naquela época. Brincadeiras nem pensar, mas quando mudei para outra escola ai sim foi festival de música, azarações e a maior das lembranças; meu querido professor de inglês GIOVANNI, Deus sabe se ainda está vivo...Concordo com a Nataly , no seu item 3 – Lili pode parar com isso......
    Quanto ao Renato, acredito que sempre vou pertencer a LEGIÃO...

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  7. Legião o que? Eu gosto é de rebolation!

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Comentários são sempre bem-vindos. Desde que não venham a ferir a ordem nacional. Hehehe...

E viva a democracia!

VIVAAAA!